Integração Tecnológica na Prática Clínica: Guia Ético para Uso de Apps em Terapia Comportamental

Revisado em 18/04/2025

A tecnologia transformou drasticamente a forma como oferecemos e recebemos cuidados de saúde mental. Dados recentes apontam para um impressionante aumento de 210% no uso de aplicativos dedicados à saúde mental no período pós-pandemia, revelando não apenas uma crescente demanda, mas também uma mudança fundamental na aceitação de ferramentas digitais como complemento ao tratamento tradicional.

Essa revolução digital apresenta oportunidades sem precedentes para psicólogos e terapeutas que utilizam a abordagem cognitivo-comportamental, permitindo um acompanhamento mais próximo e personalizado dos pacientes mesmo fora do ambiente de consultório. Este artigo apresenta um framework abrangente baseado em evidências científicas atualizadas e alinhado com as mais recentes diretrizes do Conselho Federal de Psicologia, fornecendo um roteiro completo para profissionais que desejam incorporar recursos tecnológicos em sua prática clínica com segurança e eficácia.

Base Científica da Intervenção Digital

A incorporação de tecnologias digitais na prática terapêutica não deve ser baseada apenas em tendências de mercado ou preferências pessoais, mas sim em um sólido corpo de evidências científicas. Os aplicativos destinados ao uso clínico variam enormemente em qualidade, eficácia e rigor metodológico em seu desenvolvimento, tornando essencial a adoção de critérios objetivos para sua avaliação.

Níveis de Evidência Segundo CLASSIC

A classificação CLASSIC (Classification of Digital Health Interventions) estabelece uma hierarquia de confiabilidade para intervenções digitais em saúde mental, permitindo aos terapeutas uma avaliação criteriosa das ferramentas disponíveis:

NívelTipo de EvidênciaConfiabilidadeExemplos de Aplicações
1Múltiplos estudos randomizados controladosMuito AltaProtocolos validados de TCC para insônia e ansiedade
2Estudo randomizado controlado únicoAltaAplicativos específicos para transtorno de pânico
3Estudos piloto com grupo controleModeradaFerramentas de meditação guiada para estresse
4Estudos observacionaisBaixa-ModeradaAplicativos de monitoramento de humor
5Opinião de especialistas sem estudos formaisBaixaMaioria dos apps comerciais disponíveis

Esta estrutura hierárquica permite que profissionais avaliem criticamente as ferramentas disponíveis, priorizando aquelas com maior respaldo científico. A classificação também ajuda a identificar lacunas de evidência e orientar futuros estudos para validação de intervenções digitais promissoras.

Limitações da Teleterapia: Quando Apps São Contraindicados

Embora as ferramentas digitais ofereçam inúmeros benefícios, é crucial reconhecer que não são adequadas para todos os pacientes ou situações clínicas. Existem cenários específicos em que seu uso deve ser limitado ou evitado:

  1. Pacientes com ideação suicida ativa ou risco elevado de autoagressão
  2. Casos de psicose aguda ou sintomas psicóticos não estabilizados
  3. Transtornos graves de personalidade que exigem contenção e supervisão frequente
  4. Dificuldades significativas de compreensão ou limitações cognitivas
  5. Resistência explícita do paciente ao uso de tecnologia no processo terapêutico

O reconhecimento dessas limitações não diminui o valor das intervenções digitais, mas destaca a importância da avaliação individualizada e do julgamento clínico na decisão sobre quando e como implementá-las.

Linha do Tempo da Regulamentação Brasileira (2020-2025)

O cenário regulatório brasileiro para telessaúde e intervenções digitais em psicologia evoluiu significativamente nos últimos anos:

  • 2020: Publicação da Resolução CFP nº 04/2020 autorizando temporariamente serviços psicológicos por meios tecnológicos durante a pandemia
  • 2022: Ampliação dos critérios para prestação de serviços online, com ênfase em segurança digital
  • 2024: Implementação da Resolução CFP nº 9/2024, que regulamenta definitivamente o exercício profissional da Psicologia mediado por Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDICs) em território nacional3

Esta evolução normativa reflete o reconhecimento oficial da importância e eficácia das intervenções digitais, desde que implementadas com rigor técnico e ético. A nova resolução estabelece parâmetros claros para a prática profissional, garantindo que o uso de tecnologia esteja alinhado com os princípios fundamentais da profissão.

Critérios para Seleção de Apps

A proliferação de aplicativos voltados para saúde mental exige dos profissionais uma avaliação sistemática antes de sua incorporação à prática clínica. Os critérios a seguir constituem um guia abrangente para seleção de ferramentas digitais eticamente responsáveis e clinicamente eficazes.

Checklist Essencial

Certificação ISO 13131 para Saúde Digital

A norma ISO 13131 estabelece diretrizes para o planejamento de qualidade em serviços de telessaúde, abordando aspectos como gerenciamento de processos, recursos financeiros, planejamento de força de trabalho, infraestrutura e gerenciamento de recursos de informação e tecnologia4. Aplicativos que seguem estes padrões garantem maior confiabilidade e segurança na prestação de serviços remotos de saúde.

O documento define requisitos-chave para a implementação de serviços de telessaúde, incluindo o gerenciamento dos processos de qualidade pela organização de assistência à saúde, gerenciamento de recursos financeiros, processos relativos à equipe, provisão de infraestrutura adequada e gerenciamento de recursos de informação e tecnologia4. Esta norma representa um marco importante na padronização internacional de serviços de saúde mediados por tecnologia.

Compatibilidade com LGPD e HIPAA

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2020 no Brasil, impõe regras específicas para o tratamento de dados sensíveis relacionados à saúde5. Complementarmente, o HIPAA (Health Insurance Portability and Accountability Act) estabelece padrões internacionais para proteção de informações de saúde. Aplicativos que demonstram conformidade com ambas as regulamentações oferecem maior segurança na proteção de dados dos pacientes.

A LGPD traz impactos diretos na área da saúde, afetando tanto a forma de coleta de informações sensíveis quanto a gestão de armazenamento interno das clínicas5. O não cumprimento dessas exigências pode resultar em sanções severas às instituições, além de comprometer a confiança dos pacientes nos serviços oferecidos.

Existência de Estudos Randomizados Controlados

A eficácia terapêutica do aplicativo deve ser comprovada por estudos científicos rigorosos, preferencialmente ensaios clínicos randomizados publicados em periódicos respeitáveis6. Este critério separa claramente as ferramentas baseadas em evidências daquelas desenvolvidas sem fundamentação científica adequada.

Pesquisas específicas têm sido realizadas para avaliar aplicativos direcionados para condições como depressão, ansiedade pré-natal e pós-parto, e ansiedade social6. Esses estudos fornecem informações valiosas sobre a eficácia relativa de diferentes intervenções digitais para condições específicas, orientando profissionais na seleção das ferramentas mais adequadas para cada paciente.

Customização para Contexto Cultural Local

Aplicativos desenvolvidos considerando especificidades culturais e linguísticas do Brasil tendem a apresentar maior aderência e eficácia. A adaptação transcultural é essencial para garantir que as intervenções digitais sejam relevantes e compreensíveis para pacientes brasileiros.

Ferramentas que oferecem suporte em português brasileiro, com exemplos e metáforas culturalmente apropriados, facilitam a compreensão e aumentam o engajamento dos pacientes. Esta adaptação vai além da simples tradução, envolvendo a adequação de conceitos e práticas ao contexto cultural local.

Análise Comparativa de Aplicativos

Abaixo apresentamos uma análise comparativa de três aplicativos frequentemente utilizados em terapia cognitivo-comportamental, avaliados em oito critérios essenciais:

CritérioCOGNIDiário RPDPacifica
Conformidade com LGPDAltaMédiaAlta
Base científicaModeradaAltaAlta
Facilidade de usoAltaAltaMédia
PersonalizaçãoMédiaAltaAlta
Segurança de dadosAltaMédiaAlta
Integração com prática clínicaAltaAltaMédia
Suporte em portuguêsCompletoCompletoParcial
Custo-benefícioGratuitoGratuitoPremium

O COGNI destaca-se como uma opção gratuita que auxilia pacientes a registrarem seus pensamentos disfuncionais, permitindo a criação de um Diário de Pensamentos Automáticos que pode ser analisado em conjunto com o terapeuta durante as sessões1. Já o Diário RPD oferece recursos semelhantes com ênfase em Registro de Pensamentos Disfuncionais, sendo também uma opção gratuita disponível para Android e iOS, com suporte em português1. O Pacifica, considerado um dos aplicativos mais completos para ansiedade, oferece recursos premium com base científica sólida, embora com suporte limitado em português1.

Estratégias de Implementação Clínica

A simples recomendação de um aplicativo não garante seu uso efetivo nem sua integração adequada ao processo terapêutico. Para maximizar os benefícios das ferramentas digitais, propomos o modelo STEP-C, uma abordagem estruturada que potencializa resultados clínicos e minimiza riscos.

Modelo STEP-C

Sincronização com Plano Terapêutico

A ferramenta digital deve ser introduzida como parte integrante e complementar do plano terapêutico, não como um elemento isolado. É fundamental estabelecer objetivos claros para seu uso (por exemplo: monitoramento de pensamentos automáticos entre sessões, registro de práticas de exposição, ou aplicação de técnicas de relaxamento). A sincronização deve incluir a definição precisa de como os dados coletados serão incorporados nas sessões presenciais.

Para pacientes em Terapia Cognitivo Comportamental, os aplicativos podem funcionar como extensões naturais do trabalho realizado durante as sessões, permitindo que o registro de pensamentos disfuncionais seja realizado no momento em que ocorrem, aumentando a precisão e utilidade clínica dos dados coletados1. Esta integração sistemática potencializa os resultados da terapia tradicional.

Treinamento do Paciente em Uso Ético

Antes de iniciar o uso da ferramenta, dedique tempo para familiarizar o paciente com todos os aspectos do aplicativo, incluindo:

  • Funcionalidades principais e secundárias
  • Políticas de privacidade e termos de uso
  • Limites de confidencialidade
  • Procedimentos para relatar problemas técnicos
  • Conscientização sobre segurança digital (senhas fortes, autenticação de dois fatores)
  • Esclarecimento sobre propriedade e acesso aos dados gerados

Este treinamento inicial é crucial para construir confiança e garantir uso apropriado. O investimento de tempo nesta fase evita problemas futuros relacionados a mal-entendidos sobre privacidade ou utilização inadequada das ferramentas.

Engajamento via Lembretes Personalizados

A eficácia das intervenções digitais está diretamente relacionada à consistência de uso. Implemente estratégias de engajamento como:

  • Configuração de notificações personalizadas em horários convenientes
  • Estabelecimento de metas progressivas de utilização
  • Feedbacks positivos para reforçar a adesão
  • Adaptação da frequência de uso conforme necessidades individuais
  • Integração com rotinas já estabelecidas do paciente

O objetivo é tornar o uso do aplicativo um hábito natural e não uma obrigação terapêutica adicional. Estudos demonstram que a adesão a intervenções digitais aumenta significativamente quando os lembretes são personalizados e integrados à rotina do paciente, criando padrões de utilização sustentáveis a longo prazo.

Protocolos de Emergência para Crises

Todo aplicativo utilizado em contexto clínico deve estar associado a um plano de contingência claramente estabelecido para situações de crise:

  • Instruções específicas sobre como proceder em momentos de intensificação dos sintomas
  • Contatos de emergência facilmente acessíveis dentro do aplicativo
  • Integração com serviços de suporte 24/7 quando disponíveis
  • Definição clara de quando buscar ajuda presencial imediata
  • Protocolos de escalada para situações de risco identificadas através do aplicativo

Estas medidas preventivas são especialmente importantes em aplicativos voltados para condições como ansiedade e depressão, onde o agravamento de sintomas pode representar riscos significativos à segurança do paciente.

Coleta de Dados com Ferramentas Integradas

A análise sistemática dos dados gerados potencializa a eficácia terapêutica:

  • Estabeleça métricas claras para acompanhamento do progresso
  • Utilize visualizações gráficas para facilitar a compreensão de padrões
  • Implemente revisões periódicas dos dados em conjunto com o paciente
  • Ajuste intervenções com base em tendências identificadas
  • Documente insights relevantes no prontuário do paciente

Com o tempo, o histórico de registros começa a revelar padrões de comportamentos que podem ser identificados e trabalhados juntamente com o terapeuta durante as sessões1. Esta análise objetiva dos dados permite intervenções mais precisas e personalizadas.

Plano de Ação em 30 Dias

Para facilitar a implementação estruturada, sugerimos um cronograma de 30 dias:

Semana 1: Preparação

  • Avaliação inicial de necessidades e preferências do paciente
  • Seleção conjunta do aplicativo mais adequado
  • Configuração inicial e personalização

Semana 2: Implementação

  • Treinamento detalhado nas funcionalidades
  • Definição de metas iniciais de utilização
  • Primeiros registros supervisionados

Semana 3: Monitoramento

  • Revisão da adesão e ajustes necessários
  • Superação de barreiras técnicas ou motivacionais
  • Ampliação gradual da utilização

Semana 4: Integração

  • Análise conjunta dos dados coletados
  • Correlação com progresso terapêutico geral
  • Definição de estratégias de longo prazo

Este cronograma estruturado aumenta significativamente as chances de sucesso na implementação de ferramentas digitais, estabelecendo uma base sólida para utilização contínua e eficaz.

Estudo de Caso: Transtorno de Ansiedade Generalizada

Para ilustrar a aplicação prática dos princípios discutidos, apresentamos o caso da paciente Maria (nome fictício), uma profissional de 34 anos diagnosticada com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e histórico de resposta parcial a tratamentos farmacológicos.

Contexto Clínico

Maria apresentava sintomas persistentes de preocupação excessiva, tensão muscular, irritabilidade e dificuldades de concentração que interferiam significativamente em seu desempenho profissional e relacionamentos interpessoais. Após duas tentativas de tratamento medicamentoso com resposta insatisfatória, buscou abordagem terapêutica complementar.

O plano de tratamento incluiu Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) tradicional, complementada por intervenções digitais cuidadosamente selecionadas para potencializar o trabalho entre sessões. Esta abordagem integrada visava especificamente abordar as limitações encontradas nos tratamentos anteriores.

Ferramentas Digitais Implementadas

App de Registro de Pensamentos Automáticos

Foi selecionado o aplicativo COGNI, disponível gratuitamente em português, que permite o registro estruturado de pensamentos automáticos negativos, emoções associadas e intensidade dos sintomas1. A paciente foi orientada a registrar diariamente situações desencadeadoras de ansiedade, pensamentos automáticos e estratégias de enfrentamento.

O aplicativo foi escolhido especificamente por sua interface intuitiva e compatibilidade com os princípios da TCC, permitindo que Maria identificasse padrões de pensamentos disfuncionais que frequentemente precediam episódios de ansiedade intensa.

Wearable para Monitoramento de Sinais Fisiológicos

Como complemento, Maria utilizou um smartwatch com capacidade de monitoramento de frequência cardíaca e variabilidade cardíaca (HRV), integrado a um aplicativo que identificava padrões indicativos de estados ansiosos. Este monitoramento permitiu o reconhecimento precoce de sinais fisiológicos de ansiedade antes mesmo da percepção consciente dos sintomas psicológicos.

A integração de tecnologia e saúde neste caso exemplifica como dispositivos médicos inteligentes podem monitorar sinais vitais, coletar dados de saúde e enviar essas informações para profissionais da saúde, permitindo um acompanhamento mais preciso e personalizado dos pacientes2.

Implementação e Acompanhamento

A implementação seguiu rigorosamente o modelo STEP-C:

  1. Sincronização: Os aplicativos foram incorporados ao protocolo de TCC para TAG, com foco na identificação e reestruturação de pensamentos catastróficos
  2. Treinamento: Duas sessões foram dedicadas à familiarização com as ferramentas e discussão de aspectos éticos
  3. Engajamento: Lembretes personalizados foram configurados em horários estratégicos
  4. Protocolos: Um plano de crise foi estabelecido, incluindo técnicas de respiração guiada pelo app
  5. Coleta: Os dados foram revisados semanalmente nas sessões terapêuticas

Resultados Observados

A intervenção combinada resultou em uma redução consistente nas pontuações da escala GAD-7 (instrumento validado para avaliação de ansiedade generalizada):

  • Semana 0: 18 pontos (ansiedade severa)
  • Semana 4: 14 pontos (ansiedade moderada)
  • Semana 8: 10 pontos (ansiedade moderada)
  • Semana 12: 7 pontos (ansiedade leve)

Esta redução de 61% na pontuação da escala GAD-7 foi acompanhada por melhorias qualitativas significativas:

  • Maior consciência sobre gatilhos específicos de ansiedade
  • Redução no tempo de resposta para implementação de estratégias de manejo
  • Melhora na qualidade do sono registrada pelo aplicativo
  • Aumento na capacidade de identificar e questionar pensamentos automáticos negativos
  • Retorno às atividades sociais anteriormente evitadas

O caso de Maria exemplifica como a integração cuidadosa de ferramentas digitais pode potencializar os resultados da terapia convencional, especialmente em casos com resposta parcial a abordagens tradicionais. A telemedicina e dispositivos conectados permitiram um monitoramento contínuo que seria impossível apenas com sessões presenciais semanais2.

Aspectos Éticos e Legais

A incorporação de tecnologias digitais na prática clínica traz consigo importantes considerações éticas e legais que devem ser cuidadosamente observadas. O cumprimento dessas diretrizes não é apenas uma obrigação legal, mas um compromisso fundamental com o bem-estar e a segurança dos pacientes.

Resolução CFP nº 9/2024 sobre Telessaúde

A recente Resolução nº 9/2024 do Conselho Federal de Psicologia, com vigência a partir de 31 de agosto de 2024, estabelece um marco regulatório abrangente para o exercício profissional da Psicologia mediado por Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDICs) em território nacional3.

Entre os pontos mais relevantes da resolução destacam-se:

  • Reconhecimento oficial da possibilidade de utilização de instrumentos psicológicos devidamente regulamentados no exercício profissional mediado por TDICs
  • Exigência de que testes psicológicos aplicados digitalmente tenham parecer favorável do Sistema de Avaliação de Instrumentos Psicológicos (SATEPSI), com padronização e normatização específica para tal finalidade
  • Regulamentação abrangente que contempla tanto comunicações síncronas quanto assíncronas com usuários dos serviços psicológicos
  • Normatização do registro e guarda de informações, considerando a responsabilidade ética no manuseio de dados sensíveis
  • Orientações sobre o emprego de métodos e técnicas psicológicas que dependem de servidores remotos3

O conhecimento detalhado desta resolução é imprescindível para profissionais que desejam incorporar ferramentas digitais em sua prática clínica.

Responsabilidades na Proteção de Dados Sensíveis

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2020, impõe responsabilidades específicas para profissionais de saúde que coletam e processam dados sensíveis de pacientes5. No contexto da saúde mental, estas responsabilidades ganham dimensão ainda mais crítica:

  • Consentimento informado específico para coleta digital de dados, separado do consentimento geral para tratamento
  • Implementação de medidas técnicas e administrativas de segurança proporcionais à sensibilidade dos dados
  • Garantia do direito do paciente ao acesso, correção e exclusão de seus dados
  • Limitação da coleta ao mínimo necessário para os objetivos terapêuticos declarados
  • Estabelecimento de protocolos claros para notificação em caso de vazamentos

O descumprimento destas obrigações pode resultar não apenas em sanções administrativas e multas substanciais, mas também em danos irreparáveis à relação terapêutica e à confiança do paciente. A não conformidade com as exigências da LGPD impõe sanções severas às instituições que não se adequarem5.

Gerenciamento de Riscos em Autodiagnóstico

Um desafio específico das intervenções digitais é o risco aumentado de autodiagnóstico e autogestão inadequada por parte dos pacientes. Para mitigar este risco, recomenda-se:

  • Comunicação clara sobre os limites dos aplicativos, enfatizando que são ferramentas complementares e não substitutas da avaliação profissional
  • Seleção de aplicativos que apresentem linguagem cautelosa em relação a diagnósticos
  • Monitoramento de padrões de uso que possam indicar fixação em sintomas ou comportamentos de verificação compulsiva
  • Discussão aberta sobre informações obtidas pelo paciente através de outras fontes digitais
  • Estabelecimento de protocolos para redirecionamento quando identificados comportamentos problemáticos relacionados ao uso da tecnologia

Estas estratégias preventivas são essenciais para maximizar os benefícios das intervenções digitais enquanto minimizam riscos potenciais associados à sua utilização.

Fluxograma para Decisão Ética em Casos Complexos

Para auxiliar profissionais em situações que demandam análise ética mais aprofundada, propomos um fluxograma decisório estruturado em quatro etapas:

  1. Avaliação de Necessidade
    • O uso da ferramenta digital é clinicamente justificado?
    • Existem alternativas convencionais igualmente eficazes e menos invasivas?
    • O paciente apresenta perfil adequado para beneficiar-se da intervenção digital?
  2. Análise de Riscos
    • Quais são os potenciais danos associados ao uso da ferramenta?
    • O paciente compreende completamente os riscos envolvidos?
    • Existem fatores de vulnerabilidade que aumentam os riscos?
  3. Implementação de Salvaguardas
    • Quais medidas de proteção podem ser implementadas para mitigar os riscos identificados?
    • Como será realizado o monitoramento de possíveis efeitos adversos?
    • Existe um plano de contingência claramente estabelecido?
  4. Reavaliação Contínua
    • Com que frequência a pertinência da intervenção digital será reavaliada?
    • Quais indicadores serão utilizados para determinar a continuidade ou interrupção?
    • Como serão documentadas as decisões e seus fundamentos?

Este fluxograma sistemático permite documentar o processo decisório e garantir que todos os aspectos éticos relevantes sejam adequadamente considerados, proporcionando segurança tanto para o profissional quanto para o paciente.

Conclusão

A integração de ferramentas tecnológicas na prática clínica representa um avanço significativo para a terapia comportamental, oferecendo novas possibilidades de monitoramento, intervenção e engajamento que transcendem as limitações das sessões convencionais. Os quatro pilares apresentados neste artigo – base científica robusta, critérios rigorosos de seleção, estratégias estruturadas de implementação e conformidade ético-legal – constituem um framework abrangente para profissionais que desejam navegar este território com segurança e eficácia.

À medida que avançamos para um futuro cada vez mais digital, novas fronteiras se abrem no horizonte terapêutico. A realidade virtual imersiva, por exemplo, já demonstra resultados promissores em protocolos de exposição para transtornos de ansiedade, oferecendo ambientes controlados e gradualmente desafiadores que seriam difíceis ou impossíveis de replicar no mundo real. Igualmente promissores são os desenvolvimentos em inteligência artificial adaptativa, que pode personalizar intervenções com base em padrões individuais de resposta2.

Diante deste cenário em rápida evolução, cabe a reflexão: como sua prática clínica está evoluindo para incorporar estas inovações sem comprometer os fundamentos éticos e científicos da profissão? O equilíbrio entre abertura à inovação e compromisso com práticas baseadas em evidências será, sem dúvida, o diferencial dos profissionais de excelência nas próximas décadas.

Referências de Consulta Online

  1. Conselho Federal de Psicologia (CFP)
    URL: https://site.cfp.org.br/
    Descrição: Portal oficial do Conselho Federal de Psicologia, com normativas, resoluções e diretrizes para a prática profissional, incluindo orientações sobre atendimento mediado por tecnologias.
  2. Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP)
    URL: https://www.sbponline.org.br/
    Descrição: Entidade científica que promove o desenvolvimento da psicologia como ciência e profissão no Brasil, oferecendo orientações técnicas e éticas sobre práticas baseadas em evidências.
  3. Ministério da Saúde – Telessaúde Brasil Redes
    URL: https://www.gov.br/saude/pt-br/
    Descrição: Programa nacional que visa integrar ensino e serviço por meio de ferramentas de tecnologias da informação, com diretrizes para telemedicina e telessaúde no contexto brasileiro.
  4. American Psychological Association – Telepsychology Guidelines
    URL: https://www.apa.org/practice/guidelines/telepsychology
    Descrição: Diretrizes desenvolvidas pela principal associação de psicologia dos EUA para orientar práticas éticas e eficazes em telepsicologia.
  5. World Health Organization – Digital Health
    URL: https://www.who.int/health-topics/digital-health
    Descrição: Recursos e diretrizes da Organização Mundial da Saúde sobre saúde digital, incluindo aplicações em saúde mental e aspectos éticos relacionados.
  6. Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)
    URL: https://www.gov.br/anpd/pt-br
    Descrição: Órgão da administração pública federal responsável por zelar pela proteção dos dados pessoais e por implementar e fiscalizar o cumprimento da LGPD no Brasil.
  7. Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI)
    URL: https://www.gov.br/iti/pt-br
    Descrição: Autarquia federal que mantém a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e fornece diretrizes sobre segurança digital em serviços essenciais, incluindo saúde.
  8. Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia Brasil (BVS-Psi)
    URL: http://www.bvs-psi.org.br/
    Descrição: Repositório que reúne, organiza e dissemina conhecimento científico em psicologia, incluindo publicações sobre intervenções digitais e ética profissional.
  9. International Society for Mental Health Online (ISMHO)
    URL: https://www.ismho.org/
    Descrição: Organização internacional dedicada ao avanço da compreensão, uso e desenvolvimento de comunicação online para o campo da saúde mental.
  10. Associação Brasileira de Terapias Cognitivas (ABTC)
    URL: https://www.abtc.org.br/
    Descrição: Entidade que reúne profissionais dedicados às terapias cognitivo-comportamentais no Brasil, fornecendo orientações sobre práticas baseadas em evidências e inovações tecnológicas na área.

Citações:

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  2. https://www.gfinfo.com.br/a-integracao-de-tecnologia-e-saude-transformando-a-assistencia-medica-com-inovacao/
  3. https://e-psi.cfp.org.br
  4. http://www.cee78is.org.br/wp-content/uploads/2014/11/Apresenta%C3%A7%C3%A3o-ISO-13131-GT2.pdf
  5. https://maislaudo.com.br/blog/lei-geral-de-protecao-de-dados/
  6. https://bdta.abcd.usp.br/directbitstream/455117d8-5886-4c33-95d6-1d4802fd147c/TCC_Viviane%20Souza%20do%20Nascimento.pdf
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  10. https://fastercapital.com/pt/contente/Software-de-terapia-comportamental–revolucionando-a-saude-mental–o-papel-do-software-de-terapia-comportamental.html
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  12. https://www.academiarafaeltoro.com.br/etica-cfp-os-mandamentos-que-todo-planejador-deve-seguir/
  13. https://academiamedica.com.br/blog/terapias-digitais-para-promover-o-tratamento-de-pacientes-1
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  36. https://play.google.com/store/apps/details?id=cognitive.behavioral.therapy
  37. https://crppr.org.br/guia-de-orientacao-documentos-psicologicos-2/
  38. https://graduacao.afya.com.br/medicina/terapias-digitais-o-que-sao-e-como-sao-usadas
  39. https://institutoinclusaobrasil.com.br/aplicativos-de-saude-mental-para-smartphones/
  40. https://www.instagram.com/meupsicoapp/p/DBKiWMqt6Rv/

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